Como sem mentiras não há desacordismo, analisemos as mentiras do mais recente acesso de caturrice do Pedro Mexia.
Primeiro, o que PM disse e o que não disse:
- disse que o Brasil suspendeu o AO; falso, o Brasil não suspendeu o AO, o Brasil prolongou o prazo de implementação do AO de 2012 para 2015, e já declarou o seu alinhamento com Portugal nesta matéria;
- disse que a Faculdade de Letras não aplica o AO; mas não disse que as outras duas Faculdades de Letras o aplicam, como não disse que TODAS as instituições universitárias, públicas e privadas, aplicam o AO;
- disse que a Ass.Portuguesa de Linguística criticou o AO; mas não disse como nem quando o fez, nem disse que a referida Associação aplica o AO;
- disse que o PEN recusou o AO; mas não disse que muitos escritores membros do PEN que votaram contra essa decisão;
- disse que a AP de Editores e Livreiros se distanciou do acordo; mas não disse como nem quando, não disse que a distância da APEL sobre o AO é tanta quanto sobre a norma anterior, não disse que a maioria dos associados da APEL aplica o AO;
- disse que a SPA não aceita o AO; mas não disse que a decisão da administração da SPA foi tomada à revelia dos seus associados, não disse que a decisão foi fundamentada em pressupostos falsos, não disse que o presidente da SPA declarou que escreve livros para crianças usando o AO, não disse que a maioria dos seus membros da SPA usa o AO;
- disse que “entretanto multiplicaram-se as reacções hostis além-Atlântico.”; mas não disse que no Brasil o AO está em plena e pacífica aplicação.
As reações de quem pontualmente no Brasil ainda desenterra o tema "AO" têm apenas dois impactos: o primeiro, nos caturras portugueses, o segundo, no ego do brasileiro que se lembrou de uma coisa que já não lembra a ninguém.
Numa coisa estamos de acordo com PM, o AO é um ato político. Mas deixamos de estar de acordo quando o PM acha que este ato político é pecaminoso, mas os atos políticos que estão na base da ortografia que ele quer continuar a usar, esses não são pecaminosos.
Na verdade, a Reforma Ortográfica de 1911, foi um ato político, o Acordo Ortográfico luso-brasileiro de 1931 foi um ato político, o Acordo Ortográfico luso-brasileiro de 1945 (que o Brasil não aplicou, que foi elaborado na sequência do AO 1943 que Portugal não aplicou), foi um ato político, e a Reforma Ortográfica portuguesa de 1973 também foi um ato político.
Assim, fica por saber porque é que o AO1990 tem o pecado de ser um ato político, e a RO1911, o AO1931, o AO1945 e a RO1973 (que PM usa e acha perfeitos) não têm esse pecado, uma vez que, todos eles, foram também atos políticos.
PM levanta ainda a questão dos pareceres pareceres técnicos desfavoráveis ao AO. Sendo certo que foram vários, eles hoje dizem nada sobre a aplicação do AO, mas dizem muito sobre quem os emitiu. Se algum dos autores desse pareceres decidir comparar as catástrofes anunciadas com a realidade da aplicação do AO, terá apenas uma coisa a fazer: pedir desculpa.
Por fim o PM expõe-nos os seus problemas práticos com o AO:
- ele está com um problema com o corte da raiz etimológica e da família das palavras, tudo coisas que, depreende-se, não existiam na ortografia anterior ao AO. No entanto, ele não tem problemas com as seguintes perdas etimológicas consagradas na tal (para o PM) cristalização ortográfica de 1945/73: estender (mas extensor), Estremadura (mas extremo), idade (mas etário), aquisição (mas adquirir), Chipre (mas cipriota), Guimarães (mas vimaranense), aposentado (mas pouso), erva (mas herbal), geral (mas genérico), e muitas, muitas outras. O que é que estas todas têm de tão perfeito e patrimonial que, por exemplo, o tal Egito/egípcio tem de tão imperfeito e estranho à ortografia do Português?;
- ele não sabe como há de distinguir o espetador do espetador. Desde logo ele pode escrever espectador, que estará a escrever bem. Seja como for, ele vai resolver este problema da mesma forma que resolve estes outros “problemas” consagrados na (para o PM) perfeição ortográfica de 1945/73: colher de colher, molho de molho, golo de golo, gema de gema, dita de dita, e dezenas de outras. O que é que estes “problemas” têm de tão perfeito e patrimonial que, por exemplo, o “problema” espetador/espetador tem de tão imperfeito e estranho à ortografia do Português?;
- ele ainda diz que as consoantes mudas não eram mudas. No entanto, as consoantes mudas foram sempre mudíssimas, e só ainda permaneciam na ortografia porque em 1911, entre outros disparates, alguém pretendeu que as consoantes mudas tinham voz;
-ele está com problemas em escrever os meses do ano com minúscula. Eça escreveu os meses e as estações do ano com minúscula, e outros escritores maiores da nossa Língua, também, e nenhum deles teve problemas com isso. Os falantes de francês e espanhol também se dão bem a escrever os meses e as estações do ano com minúscula. Os brasileiros também. E, em boa verdade, o único problema que nós temos é não fazer o mesmo há mais tempo:
-ele está com problemas com “arquitetas” que agora são lascivas e antes não eram; mas como tem ele lidado com as “patetas”, essas também eram/são lascivas? Ou será que o PM, para evitar problemas de lascívia com patetas, escrevia/escreve “pactectas”?